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Família Dominicana

Comentário às Leituras Dominicais (Nov. 2024) por fr. José Nunes, op

Comentário às Leituras Dominicais (Nov. 2024)      por fr. José Nunes, op - ISTA - Instituto S. Tomás de Aquino

 
10 de Novembro – 32º Domingo do Tempo Comum - Ano B

 

Os textos de hoje são belos e comoventes, sobretudo no elogio que fazem a duas viúvas que, sendo pobres e tendo tão poucos bens materiais, partilham tudo o que têm. Isto, desde logo, ensina que Deus, ainda que amando loucamente a todos os seres humanos, tem uma predileção pelos pobres e por aqueles que generosamente partilham. Aquelas viúvas, além disso, são uma figura de Jesus, tal como nos é apresentado na carta aos Hebreus: Ele fez-se pobre, Ele foi humilde, Ele deu-se e entregou-se por inteiro.

Somos chamados, de facto, a darmo-nos por inteiro: os pais darem-se por inteiro (e não apenas a espaços) aos seus filhos, os trabalhadores darem-se de alma e coração ao seu serviço e não apenas para cumprir horários ou para receber um salário, os que têm um ministério nas comunidades cristãs darem-se generosamente por inteiro a esse serviço e não apenas quando convém ou é mais fácil…

E somos desafiados também a olhar mais para as pessoas do que para os números… A viúva de que fala o Evangelho, se olharmos para os números do dinheiro das ofertas, deu muito menos do que os ricos; mas se olharmos para a pessoa e seu empenho e situação, então concluímos que ela deu muito mais que os ricos. Na vida do quotidiano e na sociedade em geral, não podemos ficar apenas em algarismos: taxa de impostos, percentagens do desemprego, aumento de pontos no deficit, números da emigração, dados da balança comercial ou das exportações… É que por detrás dos números há pessoas, há seres humanos que reclamam dignidade e olhar atento por parte de toda a comunidade humana (a começar pelos que detêm responsabilidades de governação).

04/11/2024 observações (0)

Artigo do fr. Bento Domingues, op

Artigo do fr. Bento Domingues, op - ISTA - Instituto S. Tomás de Aquino


NÃO VOS ABANDONAREI

  
1. A bela música de Caetano Veloso e Kleber Lucas – Deus cuida de mim – presta-se a um equívoco. Se, por um lado, é importante a convicção de fé que Deus cuida de cada um de nós, que não estamos sozinhos no mundo, por outro, pode transformar-se numa acusação a Deus. Quem se sente rejeitado, abandonado ou esquecido, vai perguntar, onde é que está esse Deus que cuida de mim? Como alguns disseram, ou Ele não é todo-poderoso ou não é bom, não tem compaixão. É um modo de dizer que Deus não existe.

E, no entanto, parece-me cristianíssima a expressão Deus cuida de mim, porque convoca os seres humanos para cuidarem uns dos outros[1]. Sem esta fé, cada um segue o seu caminho sem olhar para os que precisam de ajuda. Quer em certos livros do Antigo Testamento quer nos textos cristãos, Deus é Aquele que não pode deixar ninguém sozinho porque nos responsabiliza pela situação em que o mundo se encontra, que gasta em armas o que devia gastar em tornar este mundo habitável, cheio de beleza e solidariedade.

A mensagem do Papa Francisco, para este IV Dia Mundial dos Avós e Idosos, começa por aqueles que já não contam e facilmente são descartáveis[2].

Estamos no tempo das férias de Verão que acentuam uma situação que pode percorrer o ano todo. O Papa, na sua Mensagem deste ano, recorda a sua própria experiência. «A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão. Muitas vezes me sucedeu, como bispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade, dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares».

Além disso, as pessoas idosas e doentes, muitas vezes, têm ainda de suportar a acusação de que são elas que impedem o desabrochar da vida dos mais novos. Seriam, assim, responsabilizadas pelos conflitos de gerações. O que se gasta com os mais idosos e doentes seria roubado ao desenvolvimento dos jovens e do próprio país. Contrapor as gerações é um fruto da cultura do conflito.

2. A solidão e o descarte dos idosos e doentes não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa.

Hoje, existem muitas mulheres e homens que procuram, de tal maneira, a sua própria realização pessoal, que optam por uma existência autónoma, ligada apenas às exigências da sua carreira ou da sua comodidade. Esta é a marca do individualismo. A passagem do «nós» ao «eu», autossuficiente e distraído dos outros, é sinal de egoísmo.

Como diz o Papa Francisco, a família é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos. É, antes, uma das vítimas desta cultura individualista.

Quando se envelhece e à medida que as doenças aumentam e as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela que já não podemos alimentar a ideia de que poderíamos viver sem a ajuda dos outros. Muitas vezes, já é demasiado tarde.

A solidão e o descarte, tão frequentes, têm múltiplas raízes e é fundamental não tratar todas as situações com as mesmas receitas. Nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente de uma decisão própria; noutros ainda, fingindo que se trata de uma opção autónoma, não passa de uma ficção criada para tornar suportável essa solidão.

Em qualquer dos casos, é importante não se resignar, mas colaborar com as pessoas que procuram soluções viáveis. Contra a atitude egoísta, que leva ao descarte e à solidão, deve-se contrapor um coração aberto e confiar em quem diz, como na história bíblica de Rute, não te abandonarei![3].

3. Durante muito tempo, costumava recomendar um livro para férias. Gostaria de voltar a esse costume. Para estas férias, recomendo um dos últimos livros do professor de Filosofia da Universidade de Barcelona, Josep Maria Esquirol, A Escola da Alma. Da forma de educar à maneira de viver[4]. A escola da Alma é o mundo.

Importa começar pelas suas notas introdutórias, para não lhe emprestar propósitos que não sejam dele, para não se pensar, pela capa, que seria um livro puramente espiritualista, embora o seu tema seja, de facto, a forma de educar e a maneira de viver.

Começa pelo mundo. Há casa porque há intempérie. E a intempérie pede amparo. Há escola porque há mundo. E o mundo pede atenção. Há casa e há escola porque, no amparo e na atenção, cada um pode fazer caminho e amadurecer para frutificar. Que tipo de fruto? Mais casa e mais mundo.

Uma verdadeira escola é um lugar onde se treina a prestar atenção às coisas do mundo e aos outros. Pode ou não ter o nome de escola. Pode ser uma escola primária, num qualquer lugarejo do mediterrâneo ou um mosteiro budista nas montanhas do Tibete; a escola que Epicteto tinha em Nicópolis, há dois mil anos ou a que, apesar de tudo, continua a acontecer hoje, numa qualquer sala de aula universitária. Como o cultivo da atenção é sempre oportuno e benéfico, poderia haver – deveria haver – escola ao longo de toda a vida. Sobretudo se se tiver em consideração que há coisas que se fazem esperar, como uma revelação do mundo, que costuma acontecer ao cabo de muitos anos.

A escola é antidestino em todos os sentidos. Cria um lugar e um momento onde a família e as origens sociais passam para segundo plano. Porém, como a capacidade de uma pessoa tem muito a ver com as condições sociais, por vezes temos de ir contra a facticidade, principalmente quando ela é desfavorável. A escola é um lugar de igualdade e liberdade básicas.

A vida humana é uma resposta interminável. Na escola pode acontecer um encontro que, ao dar confiança, ofereça também um bom impulso. Educar é ajudar a esboçar alguns nos traços dessa resposta.

Fácil de dizer: educar tem a ver com indicar e iniciar o caminho que conduz à maturidade. E o que é maturidade? Bom, também é fácil de dizer: dar frutos. Todo o ser vivo tende para a maturidade. Mas principalmente, e de forma especialíssima, o humano, porque cedo se reconhece chegado à vida e mortal.

A educação relaciona-se com o processo de amadurecimento das pessoas e, portanto, com o fruto que acaba por se oferecer. Mas, então, cabe perguntar: de que tipo é o fruto principal? E depois, o que é que o faz amadurecer? Descobrir o sabor deste fruto e os elementos mais apropriados ao seu cultivo é encontrar o sentido da educação[5].

A mística deste filósofo é como a teologia do Papa Francisco, uma mística de olhos e coração abertos para toda a realidade.

Boas férias. Até Setembro.

 

Fr. Bento Domingues in Público, 28/7/2024

_____________ 
[1] É esse o fundamento da chamada ética samaritana, Lc 10, 29-37
[2] Foi este Papa que, em 2021, estabeleceu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, a celebrar no 4º Domingo de Julho.
[3] Rute 1, 16-17; cf. Mensagem do Papa Francisco para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, 2024
[4] Edições Paulinas, 2024
[5] Cf. Josep Maria Esquirol, A Escola da Alma. Da forma de educar à maneira de viver, Edições Paulinas, 2024
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