12 de Outubro – 28º Domingo do Tempo Comum - Ano C
Hoje, tanto na primeira leitura como no evangelho, temos narrativas com curas de leprosos. Na primeira, trata-se de Naamã que, curado, faz o percurso da fé: passa a acreditar no verdadeiro Deus, Deus único e bondoso, pai de todos os povos e não apenas de alguns. E por isso mesmo também revelado, conhecido e adorado por inúmeros seres humanos dos distintos povos, grupos e culturas. No trecho do evangelho, podíamos destacar um primeiro nível que é o da atitude de agradecimento do leproso que ficou curado. É bonito, é de boa educação agradecer… e às vezes esquecemo-nos de o fazer aos outros e até a deus (que nos dá continuamente tudo o que de bom carecemos). Mas há um segundo nível no texto, talvez mais profundo: é-nos revelado um Deus que não acusa os leprosos, que não diz que eles têm a doença porque pecaram e merecem castigo, que não os afasta, pelo contrário, vai ter com eles, ama-os de verdade, abre-lhes novos horizontes de vida. Assim, neste evangelho há um percurso que vai da cura e agradecimento pela cura até à fé, à fé num deus de misericórdia que a todos acolhe.
A passagem da segunda carta a Timóteo, atribuída a Paulo quando estava na prisão, lembra-nos que na vida todos passamos por muitas experiências, algumas delas problemáticas… mas, se morrermos com Cristo, também com Ele viveremos! É uma promessa, e Deus foi sempre fiel às suas promessas. Por isso, mesmo que nós sejamos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-se a Si mesmo! Ele é fiel ao seu amor para connosco e, também por isto, dêmos graças ao nosso Deus.
A COMPAIXÃO DO SAMARITANO
1. No dia 26 de Setembro, o Vaticano anunciou o tema para o Dia do Doente (11.02.2026), escolhido pelo Papa Leão XIV – A compaixão do samaritano: amar carregando a dor do outro.
Esta data parece muito longínqua e a situação de quem sofre não pode esperar pelo classificado Dia do Doente. O imenso mundo dos que sofrem é hoje que pede socorro. O Dia Mundial do Doente é, apenas, o símbolo que nos diz que devemos cuidar dos doentes todos os dias.
Esta antecipação deve servir para despertar, desde já, todas as religiões, todas as pessoas, a sociedade em geral e os decisores políticos, sobre esse mundo que sofre.
Aqui, vou apenas fazer uma selecção de textos bíblicos que gritam a questão central da compaixão, da misericórdia.
2. A Bíblia, desde o começo, lançou a pergunta essencial muito esquecida que, ainda hoje, pede uma prática fraterna: Que fizeste do teu irmão?[1]
O profeta Miqueias deu-nos o mais incisivo texto do que é fundamental na religião e o que são as suas traições. Não o podemos esquecer: «Com que me apresentarei ao Senhor e me inclinarei diante do Deus Altíssimo? Porventura me apresentarei com holocaustos ou com novilhos de um ano? Terá o Senhor prazer nos milhares de carneiros ou nas libações de torrentes de azeite? Hei-de sacrificar-lhe o meu primogénito pelo meu crime, o fruto das minhas entranhas pelo meu próprio pecado? Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor exige de ti: nada mais do que praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com o teu Deus!»[2]
3. No Novo Testamento, é o próprio Jesus que é interrogado por um doutor da Lei: Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna? Resposta de Jesus: Que está escrito na Lei? Como lês? Ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.
Jesus observou: respondeste corretamente. Faz isso e viverás. Mas ele, querendo justificar a sua pergunta, insistiu: E quem é o meu próximo? Esta pergunta serviu a Jesus para elaborar uma parábola que atravessou os séculos e devia manter todo o seu vigor na actualidade, acerca do que é a verdadeira e a falsa religião.
É uma parábola, na qual, está incluído um conflito entre religião e prática social. Eis a parábola: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-te-ei quando voltar.
Nesta parábola, chegou o momento de Jesus passar a interrogar o doutor da Lei com uma pergunta muito simples: Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores? Resposta acertadíssima: O que usou de misericórdia para com ele. Jesus retorquiu: Vai e faz tu também o mesmo[3].
A astúcia de Jesus na elaboração da parábola não podia ser mais interpelante. O seu interlocutor é um israelita, assim como o sacerdote e o levita, homens do culto, que não podiam sujar as mãos nem atrasar-se para as suas funções cultuais. A religião serve-lhes de pretexto para não verem o sofrimento do que está caído na berma da estrada, vítima de roubo e violência.
O que é pressuposto na parábola é que deviam ser os homens da religião oficial, os homens do culto, os verdadeiros socorristas. Não podiam passar ao largo. Deviam debruçar-se sobre a situação, precisamente o que fez o samaritano considerado heterodoxo e inimigo da religião de Israel.
O espantoso capítulo 25 de S. Mateus é constituído por três parábolas, três intrigas paradoxais sobre a urgência em captar as oportunidades de alegria que a vida oferece e que, por leviandade ou por medo de ser mal sucedidos, desperdiçamos.
São textos simbólicos: dizem uma coisa para significar outra. Devem ser respeitados, na sua irredutível alteridade, e questionados. A sua interpretação tem de ter esse facto em conta, para não cair no reino da arbitrariedade. Por outro lado, importa distinguir sentido e significação. O sentido existe no texto que exige estudo para ser decifrado. A significação nasce da pergunta: que tem esse texto, essas parábolas, a ver comigo e que tenho eu a ver com esse texto, com essas parábolas?
A significação implica a vontade de mudar, a vontade de conversão. Ajuda a mudar para o reino da alegria, da vida apaixonada por um novo tempo. As duas primeiras parábolas são o retrato de uma sociedade, na qual, quem tem muito procura ter mais. Quem tem pouco até o pouco que tem lhe é roubado.
A última é a representação simbólica do julgamento de todas as nações, não para as julgar, mas para julgar as acções ou omissões das pessoas. Quem as julga não é a divindade. Quem julga as pessoas são as suas acções de solidariedade ou de falta de solidariedade. Tanto quem foi, como quem não foi solidário não sabia que estava a ter um encontro ou desencontro com o próprio Deus. Deus é o destinatário clandestino do nosso agir solidário sem divinas intenções. A causa do Deus invisível identifica-se com a causa dos que precisam de ser socorridos. Quem socorre ou recusa solidariedade acolhe ou recusa o próprio Deus.
Nesse julgamento da História, o Senhor dirá a uns: Vinde, benditos de meu Pai, porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo. E eles perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te? E o Senhor dirá: Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.
Em seguida dirá a outros: Afastai-vos de mim, porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me. E eles perguntarão: Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos? Ele responderá: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.
A doença mais grave é esquecer o mundo dos que sofrem.
Fr. Bento Domingues in Público, 5/10/2025
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).