15 de Dezembro – 3º Domingo do Advento - Ano C
Sensivelmente a meio do Advento (e também da Quaresma), temos um Domingo da alegria, não só para ‘aliviar’ a dureza do tempo de conversão mas sobretudo para dar sentido a esse mesmo tempo e a toda a nossa peregrinação na terra: Deus quer a nossa alegria, nós fomos criados para a vida na alegria. E os textos da liturgia de hoje assinalam isso mesmo – tema que tem sido, porventura, o mais caro ao nosso Papa Francisco.
O profeta Sofonias emprega numerosas expressões para falar da alegria: clamor jubiloso, brados de alegria, exultar, rejubilar… e algumas destas expressões até são repetidas! E porquê tal alegria? Porque Deus vai estar no meio de nós, o que aponta claramente para a vinda de Jesus que celebramos no Natal. E daí, em seguida, o convite natural: não tenhamos medo; se Deus está connosco, porque havemos de ter medo?
Também São Paulo, na carta aos Filipenses, vai na mesma linha. Embora com palavras diferentes, exorta à alegria de forma repetida. E, claro, associada à alegria – que é dom de Deus – está a vida na paz e na bondade, e ainda a superação de toda a inquietação.
O Evangelho fala-nos de João Baptista e da sua missão: ele veio antes de Jesus para pedir a todos que se preparassem, com conversão sincera, para receber o Messias. E a conversão é para todos, mas segundo a situação própria de cada um: às multidões, em geral, João pede solidariedade; aos publicanos pede que não sejam exploradores nem corruptos; aos soldados pede que não sejam violentos nem caucionem injustiças. Também cada um de nós poderia interrogar-se sobre qual a conversão concreta que Deus (através de algum profeta ou da Sua palavra em geral) lhe está a pedir neste momento da sua vida.
NÃO VOS ABANDONAREI
E, no entanto, parece-me cristianíssima a expressão Deus cuida de mim, porque convoca os seres humanos para cuidarem uns dos outros[1]. Sem esta fé, cada um segue o seu caminho sem olhar para os que precisam de ajuda. Quer em certos livros do Antigo Testamento quer nos textos cristãos, Deus é Aquele que não pode deixar ninguém sozinho porque nos responsabiliza pela situação em que o mundo se encontra, que gasta em armas o que devia gastar em tornar este mundo habitável, cheio de beleza e solidariedade.
A mensagem do Papa Francisco, para este IV Dia Mundial dos Avós e Idosos, começa por aqueles que já não contam e facilmente são descartáveis[2].
Estamos no tempo das férias de Verão que acentuam uma situação que pode percorrer o ano todo. O Papa, na sua Mensagem deste ano, recorda a sua própria experiência. «A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão. Muitas vezes me sucedeu, como bispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade, dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares».
Além disso, as pessoas idosas e doentes, muitas vezes, têm ainda de suportar a acusação de que são elas que impedem o desabrochar da vida dos mais novos. Seriam, assim, responsabilizadas pelos conflitos de gerações. O que se gasta com os mais idosos e doentes seria roubado ao desenvolvimento dos jovens e do próprio país. Contrapor as gerações é um fruto da cultura do conflito.
2. A solidão e o descarte dos idosos e doentes não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa.
Hoje, existem muitas mulheres e homens que procuram, de tal maneira, a sua própria realização pessoal, que optam por uma existência autónoma, ligada apenas às exigências da sua carreira ou da sua comodidade. Esta é a marca do individualismo. A passagem do «nós» ao «eu», autossuficiente e distraído dos outros, é sinal de egoísmo.
Como diz o Papa Francisco, a família é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos. É, antes, uma das vítimas desta cultura individualista.
Quando se envelhece e à medida que as doenças aumentam e as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela que já não podemos alimentar a ideia de que poderíamos viver sem a ajuda dos outros. Muitas vezes, já é demasiado tarde.
A solidão e o descarte, tão frequentes, têm múltiplas raízes e é fundamental não tratar todas as situações com as mesmas receitas. Nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente de uma decisão própria; noutros ainda, fingindo que se trata de uma opção autónoma, não passa de uma ficção criada para tornar suportável essa solidão.
Em qualquer dos casos, é importante não se resignar, mas colaborar com as pessoas que procuram soluções viáveis. Contra a atitude egoísta, que leva ao descarte e à solidão, deve-se contrapor um coração aberto e confiar em quem diz, como na história bíblica de Rute, não te abandonarei![3].
3. Durante muito tempo, costumava recomendar um livro para férias. Gostaria de voltar a esse costume. Para estas férias, recomendo um dos últimos livros do professor de Filosofia da Universidade de Barcelona, Josep Maria Esquirol, A Escola da Alma. Da forma de educar à maneira de viver[4]. A escola da Alma é o mundo.
Importa começar pelas suas notas introdutórias, para não lhe emprestar propósitos que não sejam dele, para não se pensar, pela capa, que seria um livro puramente espiritualista, embora o seu tema seja, de facto, a forma de educar e a maneira de viver.
Começa pelo mundo. Há casa porque há intempérie. E a intempérie pede amparo. Há escola porque há mundo. E o mundo pede atenção. Há casa e há escola porque, no amparo e na atenção, cada um pode fazer caminho e amadurecer para frutificar. Que tipo de fruto? Mais casa e mais mundo.
Uma verdadeira escola é um lugar onde se treina a prestar atenção às coisas do mundo e aos outros. Pode ou não ter o nome de escola. Pode ser uma escola primária, num qualquer lugarejo do mediterrâneo ou um mosteiro budista nas montanhas do Tibete; a escola que Epicteto tinha em Nicópolis, há dois mil anos ou a que, apesar de tudo, continua a acontecer hoje, numa qualquer sala de aula universitária. Como o cultivo da atenção é sempre oportuno e benéfico, poderia haver – deveria haver – escola ao longo de toda a vida. Sobretudo se se tiver em consideração que há coisas que se fazem esperar, como uma revelação do mundo, que costuma acontecer ao cabo de muitos anos.
A escola é antidestino em todos os sentidos. Cria um lugar e um momento onde a família e as origens sociais passam para segundo plano. Porém, como a capacidade de uma pessoa tem muito a ver com as condições sociais, por vezes temos de ir contra a facticidade, principalmente quando ela é desfavorável. A escola é um lugar de igualdade e liberdade básicas.
A vida humana é uma resposta interminável. Na escola pode acontecer um encontro que, ao dar confiança, ofereça também um bom impulso. Educar é ajudar a esboçar alguns nos traços dessa resposta.
Fácil de dizer: educar tem a ver com indicar e iniciar o caminho que conduz à maturidade. E o que é maturidade? Bom, também é fácil de dizer: dar frutos. Todo o ser vivo tende para a maturidade. Mas principalmente, e de forma especialíssima, o humano, porque cedo se reconhece chegado à vida e mortal.
A educação relaciona-se com o processo de amadurecimento das pessoas e, portanto, com o fruto que acaba por se oferecer. Mas, então, cabe perguntar: de que tipo é o fruto principal? E depois, o que é que o faz amadurecer? Descobrir o sabor deste fruto e os elementos mais apropriados ao seu cultivo é encontrar o sentido da educação[5].
A mística deste filósofo é como a teologia do Papa Francisco, uma mística de olhos e coração abertos para toda a realidade.
Boas férias. Até Setembro.
Fr. Bento Domingues in Público, 28/7/2024
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).