2 Abril – Domingo de Ramos - Ano A
As celebrações e leituras deste domingo estão polarizadas, certamente, por duas ideias maiores e contrastantes: por um lado, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, aclamado como Rei e o Bendito enviado de Deus; por outro lado, a impressionante tragédia da sua prisão, condenação e morte. Estamos verdadeiramente no centro do Mistério de Deus, do Deus de Jesus, do Deus que se revela na Bíblia, do nosso Deus: a sua grandeza mostra-se na vulnerabilidade, o seu amor revela-se na entrega, o seu poder mostra-se na obediência. E qualquer outra imagem de Deus haveria que ser recusada como idolátrica.
Através do profeta Isaías, Jesus foi prefigurado neste personagem do Antigo Testamento – o Servo, o Servo Sofredor (que nos aparece nos capítulos 40-55 de Isaías). Ali se nos revela Alguém que, enviado por Deus e vivendo apenas no serviço e na bondade, é também coerente e suficientemente corajoso para resistir a todas as perseguições e males de que é injustamente vítima. Foi isso que aconteceu, de facto, com Jesus, é isso que acontece com tantos mártires e santos da história da humanidade.
A segunda leitura, um profundo texto conhecido como o hino da ‘Kenosis’ – palavra grega que significa ‘abaixamento’ ou ‘humilhação’, afirma: Jesus, que era Deus, não se valeu dessa condição, mas fez-se homem e, como homem, fez aquilo que poucos homens são capazes de fazer! Passou a vida a fazer o bem, a servir os outros, e foi capaz de sofrer só para ajudar e libertar a todos. Que maravilhoso – ainda que difícil – programa de vida!
E no evangelho de Mateus temos o longo texto da Paixão (que será novamente lido, mesmo se noutro evangelista, na 6ªfeira Santa). Olhando Jesus, em todo este processo, na prisão, condenação, a caminho do calvário, na crucifixão e morte, ficamos certamente perturbados e perguntamo-nos porquê tinha tudo aquilo de acontecer… Sentimos também, intimamente, que há ali uma injustiça, que há ali muita maldade para com um homem que apenas fizera o bem na sua vida. Como cristãos, sabemos, pela fé, que Deus Pai o ressuscitou. Mas, por agora, nada sabemos disso: apenas vemos como um homem maravilhoso é assassinado, Ele que só fizera o bem e, mesmo nos últimos momentos da vida, só pensa nos outros: nos salteadores crucificados a seu lado, na sua mãe e seus discípulos, nos que o crucificam e zombam e lançam blasfémias… Meditemos com a ajuda das palavras de um coral maravilhoso da ‘Paixão de S.João’, de Bach: «Teve cuidado de tudo naqueles últimos momentos. Pensou na sua mãe e obteve para ela uma protecção. Ó homem, faz o bem, ama a Deus e ao teu semelhante, depois morre sem pena, não te inquietes mais».
Paralisar a Teologia? - 1
É preciso percorrer os acontecimentos e os gestos mais marcantes, assim como a qualidade e oportunidade dos documentos publicados, como fez o Frei José Nunes, numa assembleia do Instituto S. Tomás de Aquino (ISTA), para perguntar como é que foi possível, apenas em 10 anos, abrir tantas portas e janelas na Igreja Católica para todos os mundos. Tudo isto, percorrendo os caminhos mais humildes de Francisco de Assis, no seguimento do Evangelho de Cristo para o nosso tempo.
A reforma da Igreja a partir das reformas da Cúria vaticana e do conjunto da cristandade, desenhadas no programa do seu pontificado, A Alegria do Evangelho, não contava com as dimensões do fenómeno da pedofilia na própria Igreja e que o obrigou a enfrentá-lo com tolerância zero e, mesmo depois, talvez não contasse com tantas resistências da parte das hierarquias das igrejas de todo o mundo, mas que não o têm feito recuar.
A esperança do presidente da Assembleia da República Portuguesa, Augusto Santos Silva, e certamente de muitos portugueses, é «que a Igreja saiba superar esse problema, agindo. Há várias propostas que têm sido feitas quer no interior da Igreja quer na comissão independente e julgo que os responsáveis vão tomar as medidas necessárias para que esta página possa ser virada» (11.03.2022).
Entretanto, chamaram-me a atenção para um artigo notável de Gustavo Carona[1] – médico sem fronteiras – que, na abordagem da pedofilia na Igreja, não alinha com a tendência de tomar a parte pelo todo, porque a sua experiência, nos mundos mais abandonados, só contou com a presença actuante da Igreja Católica e de outras religiões. «O humanitarismo como o conhecemos tem os seus pioneiros no cristianismo. …A religião teve e tem pessoas, espalhadas pelo mundo fora, a fazer obras de um humanismo e de um impacto nas populações mais vulneráveis que me faz arrepiar de inspiração».
2. Hoje, na celebração da Eucaristia, deparamos com uma longa passagem, do Evangelho segundo S. João, sobre a cura de um cego de nascença. A narrativa começa assim: Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os seus discípulos perguntaram-lhe: Mestre, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego? Ele ou os seus pais? Jesus respondeu: Isso não tem nada a ver com os pecados dele ou dos seus pais, mas aconteceu assim para se manifestarem, nele, as obras de Deus.
Gostamos de ter respostas prontas para tudo. Para a maioria dos fenómenos, seria preciso dispor do percurso de todas as ciências, pois, não temos, à partida, respostas para tudo. Temos de as procurar. Com as questões do mal tudo se complica, porque o mal – a falta de um bem que devia existir – suscita muitas discussões.
Os discípulos de Jesus, perante um cego, desejavam uma resposta de Jesus, partindo de um falso pressuposto: aquela cegueira era efeito do pecado. Só faltava saber se foi devido ao pecado dos seus pais ou dele próprio. Jesus afasta a questão do pecado. Nem foi ele nem foram os pais. E acrescenta, o mal não se explica, combate-se. É o que Deus nos pede. Foi o que Jesus fez.
A narrativa do Evangelho apresenta Jesus a usar uma técnica muito rústica, muito inadequada para curar uma cegueira. A cura aconteceu, não por causa da lama, como é evidente, mas por ser uma intervenção de Jesus. O facto é que o cego não via e passou a ver pela acção de Jesus. A questão grave é que não podia ter sido por acção de Jesus porque este aumentava o mal na sociedade em vez de ser um bom judeu, um obediente à lei de Moisés. Ora Ele não respeitava o Sábado como um bom israelita deve fazer. Atribuir a Jesus uma acção extraordinária, milagrosa, era impossível, mas contra factos não há argumentos e o facto é que tinha havido uma cura e fariseus não tinham uma explicação para ela. Em tudo isto, a maior cegueira é não querer ver o que se está a ver, por razões de ideologia religiosa. Jesus, ao violar preceitos que julgavam sagrados – a observância do Sábado sacralizado – ficava desautorizado no plano religioso.
Dada a extensão desta fantástica narrativa, não posso transcrevê-la para esta crónica. É maior do que o espaço que me é dado[2].
3. O nascimento da Igreja – a não confundir com a hierarquia – é celebrado por um acontecimento que vem explicitado no próprio Baptismo de Jesus, superando o de João que tinha recebido. Todos os Evangelhos contam que, tendo Jesus saído das águas do Jordão, entrou em oração. Dessa abertura ao Espírito Santo recebeu a declaração mais espantosa de Deus: Tu és o meu Filho muito amado, em Ti me revejo[3]. É a este Baptismo que a Igreja tem de ser sempre fiel.
Foram conservados dois gestos, desde o começo. Um deles é a entrega da luz. Sem a luz de Cristo andamos nas trevas. Um outro é a unção dos ouvidos e da boca para significar que, antes falar, é preciso aprender a ouvir, a escutar e testemunhar, usando a expressão Effetha (abre-te). É significativo que não exista um baptismo para mulheres e outro diferente para homens, como diz S. Paulo[4]. Todos nós somos Igreja!
Entre os poemas litúrgicos musicados de José Augusto Mourão, O.P., destaco este, especialmente para hoje: Abre meus olhos, meu Senhor, e verei o Dia / visitação do sol, ó luz, ilumina a vida / quia-me pela mão, sê a lâmpada dos meus pés / que em tudo vacilam. // À fonte vou que vem da cruz vou lavar meus olhos / de lá caminha o meu senhor, de lá vem a Páscoa / venha o sol, venha o azul, venha o corpo / ressuscitado, recomece o mundo. // Abre meus olhos, meu Senhor, ao rumor do nome / que eu caminhe para Ti sem olhar vendado / venha a fé desatar os meus olhos e meus pés / e verei o rosto. // Abram-se as portas do que é breu / sobre os campos verdes / e floresçam mil flores onde a morte cresce / Vem clamor da manhã vem gritar que um fogo arde / em nós e a promessa avança.
É, para o meu gosto, uma das melhores expressões da poética litúrgica.
26 Março 2023
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).
EXPOSIÇÃO
'Dominicanos: Arte e Arquitectura Portuguesa. Diálogos com a modernidade'
A inauguração ocorrerá no dia 14 de Abril, às 16h:00, no Convento de S. Domingos de Lisboa
e estará aberta ao público até ao dia 10 de Junho.
(Folheto AQUI) + (Site do Evento AQUI)
REVISTA DE IMPRENSA
RTP - Portugal em Directo aos 5':22"
RTP - Portugal em Directo aos 9':47"
Público - No tempo em que a igreja era moderna e queria fazer parte da cidade
TSF - Frades dominicanos celebram em Lisboa 800 anos de existência
Quo Vadis - Dominicanos. Arte e Arquitetura Portuguesa. Diálogos com a modernidade
E-Cultura - No tempo em que a igreja era moderna e queria fazer parte da cidade
Fátima Missionária - Exposição revela contributo de religiosos para a arte
PontoSJ - Dominicanos. Arte e Arquitetura Portuguesa. Diálogos com a modernidade