21 Agosto – 21º Domingo do Tempo Comum - Ano C
É muito claro que no Antigo Testamento encontramos perspectivas teológicas muito distintas e concepções de Deus também diferentes. Há até quem diga que há duas religiões distintas: uma, nacionalista, baseada na libertação histórica do povo de Israel e sua saída do Egipto para a Terra prometida, e outra, universalista, baseada num Deus Criador, Pai de todos os povos, amigo de todas as nações e respeitador da diversidade das culturas. A passagem do profeta Isaías que hoje lemos na celebração litúrgica pertence, evidentemente, a esta segunda perspectiva: Deus é o Criador de tudo e todos e o diálogo e fraternidade universais constituem o seu projecto e a sua vontade. No mundo de hoje, com tanta violência e intolerância político-religiosa, temos aqui uma mensagem importante e forte para orientar os caminhos da humanidade.
Também a carta aos Hebreus, na linha do que disseram alguns profetas e os autores dos livros sapienciais, revela um pouco mais sobre quem é o nosso Deus, o Deus de Jesus. Comparando-O a um pai, explica por que motivo Ele por vezes nos repreende: porque nos ama, porque se interessa por nós, porque se nos vê num caminho errado ou de perdição, quer salvar-nos e nos adverte dos perigos de tal situação. Quem não ama a outro, esse não repreende, não corrige: deixa o outro perder-se…
O Evangelho de Lucas, no trecho de hoje, parece contradizer a imagem do Deus de Jesus como alguém infinitamente bom, misericordioso e que perdoa sempre… parece que se aborreceu de vez e vai fechar a porta do seu coração e da sua morada a muita gente… Devemos entender estas palavras, já o sabemos, não à letra, mas no significado que elas encerram: há que ser vigilante, há que não esmorecer, há que buscar permanentemente a rectidão e a santidade – sem esquecer ou fechar os olhos ao exemplo daqueles que parecem mais afastados das coisas de deus e, afinal, vivem profundamente os valores evangélicos.
A Melhor Leitura para Férias
1. A partir de hoje até Setembro, suspendo estas crónicas. Costumava sugerir algumas leituras para o mês de Agosto. Não vou engrossar a ladainha de todos os que repetem que o cristianismo está em declínio irreversível. A história é o reino das surpresas. Muitas vezes, o que se julgava uma demonstração triunfante do catolicismo, nas viagens dos últimos Papas, veio a revelar-se uma grande manifestação de fraqueza.
Neste momento, o Papa Francisco não foi ao Canadá para recolher aplausos. Foi pedir perdão e penitenciar-se de crimes vergonhosos cometidos contra as famílias indígenas em instituições católicas. Que este gesto penitencial seja bem compreendido, rejeitado ou indiferente, para a opinião pública, não importa. Esta atitude do Papa Francisco não busca aplausos ou esquecimentos. Vale por si mesma ao repor a verdade. Nenhum outro motivo deve ser tido em conta.
Ao contrário do que acontece a outras pessoas, Bergoglio não me tem decepcionado. Continua a testemunhar verdadeira fidelidade à prática histórica de Jesus que procurava sempre a companhia dos rejeitados.
Tem sido espantosamente fiel à escolha do santo de Assis, emblema do seu pontificado. O melhor é dar-lhe a palavra, mediante um dos seus textos mais representativos e mais universalista.
Fratelli Tutti: escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se aos seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho. Destes conselhos, quero destacar o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço; nele declara feliz quem ama o outro, o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si. Com poucas e simples palavras, explicou o essencial duma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita.
Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me inspirou a escrever a encíclica Laudato Si’, volta a inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social. Com efeito, São Francisco, que se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos(1).
2. A expressão com sabor a Evangelho remete para os textos do Novo Testamento. Como diz Frederico Lourenço, na segunda metade do século I da era cristã, o manancial (já de si tão rico) de textos em língua grega veio a enriquecer-se ainda mais com o aparecimento de quatro textos que mudaram para sempre a História da Humanidade.
Nestes textos, o leitor escolarizado da época ter-se-ia confrontado com uma temática muito diferente da que conhecia de Homero, Sófocles ou Platão. Pois nestes quatro textos não se falava das façanhas heroicas de reis e de guerreiros, nem se reportavam a conversas de aristocratas atenienses com o lazer e o dinheiro para se dedicarem à filosofia.
Aqui falava-se de pescadores e de leprosos; falava-se de pessoas desprezadas pela sua baixa condição na sociedade, pelas suas deficiências físicas, pelos seus problemas de saúde mental; falava-se de figuras femininas que não eram as rainhas e princesas da epopeia e da tragédia gregas, mas sim mulheres normais da vida real (a queixarem-se da lida da casa ou a exercerem, talvez, a mais antiga profissão do mundo).
Acima de tudo, nestes quatro textos falava-se de certo homem, filho de um carpinteiro nazareno: um homem carismático, cheio de compreensão por todo o tipo de sofrimento humano; um homem que, apesar de não ter praticado qualquer crime, acabou por morrer crucificado como se fosse um criminoso, no meio de dois ladrões. Esse homem – que muitos foram reconhecendo como Ungido (Khistós: Cristo) de Deus e até como Filho de Deus – era portador da mais extraordinária das mensagens, transmitida com palavras simples, por vezes sob a forma de pequenas histórias singelas, compreensíveis em qualquer aldeia (e, por isso, muitos termos por ele utilizados eram palavras da aldeia – como estrume).
(…) Lendo-os dois mil anos depois, não é difícil perceber porquê. Sobre um desses textos já se escreveu que se trata do “mais divino de todos os livros”: na verdade, essa descrição assenta a qualquer um deles. São textos que – com a sua mensagem sublime veiculada por palavras cuja beleza desarmante ainda deixa arrepiado quem os leu e releu ao longo de uma vida inteira – estão simplesmente numa categoria à parte(2).
Não me admira que Eduardo Lourenço tenha escrito: no Ocidente não se levantou outro modelo cultural (e, mais além do cultural, um modelo existencial) mais profundo e mais radical do que o modelo de Cristo. (…) Creio que é Cristo histórico propriamente dito, a historicidade de Cristo exemplar que continua funcionando como modelo, se há algum modelo. Se há algum modelo – é esse(3). Para ele, Cristo é um momento (sem limite de tempo) em que a humanidade tomou forma humana(4).
Neste Verão, a melhor leitura que recomendo para férias são, precisamente, os quatro Evangelhos cheios de surpresas, mesmo para quem os frequenta diariamente. É evidente que devem ser preferidas as edições com boas introduções e notas elucidativas.
3. O Evangelho deste Domingo é dedicado à insensatez de pensar que é, na acumulação insaciável de riqueza, que temos o nosso futuro garantido(5). Um dos traços mais apelativos da pregação de Jesus é a lucidez com que soube desmascarar o poder alienante e desumanizador da confiança no dinheiro, o deus dos que se perderam de Deus. Jesus não podia ter sido mais radical: Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou apegar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.
Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam dele(6).
Jesus considerou, como uma verdadeira loucura, a vida dos latifundiários da Palestina, obcecados por armazenar as suas colheitas em celeiros cada vez maiores.
Como destacou o Papa Francisco, no seu documento programático, A Alegria do Evangelho, continuamos na economia que mata. Contrariar esse caminho é o programa da intervenção dos cristãos na vida social, económica e política, para não se traírem a si mesmos. Devem tornar-se cada vez mais competentes, não para dominar, mas para servir os sem vez e os sem voz.
Recolhi, na Religión Digital, uma banda desenhada: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu. Enviou-me a evangelizar os pobres… Não seria melhor evangelizar antes os ricos, para que não houvesse pobres?».
Fr. Bento Domingues in Público, 31/7/2022
EXPOSIÇÃO
'Dominicanos: Arte e Arquitectura Portuguesa. Diálogos com a modernidade'
A inauguração ocorrerá no dia 14 de Abril, às 16h:00, no Convento de S. Domingos de Lisboa
e estará aberta ao público até ao dia 10 de Junho.
(Folheto AQUI) + (Site do Evento AQUI)
REVISTA DE IMPRENSA
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RTP - Portugal em Directo aos 9':47"
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