1 de Junho – Ascensão - Ano C
S.Lucas escreveu o terceiro evangelho e o livro dos Actos dos Apóstolos. Isso ele mesmo o explica no início do segundo desses livros – primeira leitura da missa de hoje. Então, se na escrita do seu evangelho S.Lucas narra tudo o que se passou com a vida terrena de Jesus, agora, nos Actos dos Apóstolos, vai dizer o que se passou com os discípulos de Jesus depois da Ascensão do Senhor ao céu.
A Ascensão, portanto, não é apenas uma «Solenidade do Senhor», não é algo que afecte apenas a Jesus! É certo que agora, junto do Pai, no Céu, Ele está acima de todas os Principados e Poderes (como diz a carta aos Efésios), e Ele tem a possibilidade de omnipresença (já não está limitado às condições físicas de um corpo humano) – presença amante e reconfortante junto de tudo e todos. Mas a Ascensão é também, como dizíamos, uma festa da Igreja, uma festa da Igreja missionária: os cristãos não podem cruzar os braços nem ficar especados a olhar para o céu, mas sim ir, partir, responder positivamente ao apelo de «uma Igreja em saída» (palavras do papa Francisco na Evangelii Gaudium). É que o anúncio do reino, a pregação do evangelho, feitos por Jesus, têm de ser agora a tarefa dos seus discípulos. É isto que nos diz o evangelho de hoje, últimas linhas escritas por S.Lucas, com a ordem/mandato de Jesus para que os apóstolos começassem a missão. E o Senhor promete que nunca abandonará a sua Igreja, em qualquer circunstância e até ao fim dos tempos.
PARA TRÁS, NÃO HÁ PAZ
A “santa curiosidade” de Dominique Chenu, nos longínquos anos 30, mostrava como a expansão missionária, liberta da simbiose com o colonialismo, o pluralismo das civilizações que solicitava a criatividade da Igreja, a exigência imprescritível de recuperação da tradição oriental, a exigência ecuménica, o advento da cultura de massas que abriu possibilidades inesperadas para o cristianismo e, por fim, a nova juventude da Igreja chamada a assumir, com determinação e coragem, a sociedade humana em todas as suas dimensões[1].
No século XX, os teólogos que despertaram para o sentido da história e para a interrogação, Experiência do mundo, experiência de Deus?, foram os que influenciaram o Papa João XXIII, o Vaticano II e as dificuldades posteriores. Antes deste Papa, de Roma só vinham proibições[2]. Com Francisco, o Papa tornou-se a vanguarda da Igreja. Não se pode entender Bergoglio sem a sua opção pelo Vaticano II e pelo estilo de João XXIII. As suas preocupações era a situação dos descartáveis da sociedade – os pobres, os prisioneiros, os migrantes, as vítimas das guerras, a sustentabilidade do Planeta, a ecologia integral, a economia que mata, a sinodalidade no interior da Igreja, chamando todo o povo de Deus a pronunciar-se.
As pessoas estavam muito inquietas sobre quem seria o novo Papa, embora este não substitua os cristãos. Como o próprio Leão XIV lembrou, convosco sou cristão, para vós sou bispo.
Não podemos fazer juízos precipitados porque não sabemos o futuro. Perante o mundo que se aproxima, Leão XIV tem de enfrentar e ajudar a enfrentar os imprevistos que podem ser muitos. A sinodalidade é, precisamente, o caminhar juntos. Nem o Papa nem a hierarquia podem substituir o povo cristão. Ninguém substitui ninguém.
2. O cardeal Robert Francis Prevost, O.S.A., escolheu para o seu pontificado o nome de uma grande personalidade que marcou a história da Igreja do século XIX, Leão XIII, o Papa da Rerum Novarum (1891), que trata da condição dos operários e das questões levantadas pela Revolução Industrial e as sociedades democráticas da época. Esta encíclica é considerada um documento fundamental para a Doutrina Social da Igreja e aborda temas como a justiça social, os direitos dos trabalhadores e o papel do Estado.
Segundo as palavras de Leão XIII, «A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.
«Por toda a parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos governantes e não há, presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano» (RR, nº 1).
No primeiro discurso do Papa Leão XIV aos membros do Colégio Cardinalício, revelou a razão da escolha do nome para o seu pontificado.
Começou por dizer que o Papa é um humilde servo de Deus e dos irmãos, nada mais do que isso. «Demonstram-no bem os exemplos de tantos dos meus Predecessores, o último dos quais o próprio Papa Francisco, com o seu estilo de total dedicação ao serviço e sobriedade essencial na vida, de abandono em Deus no tempo da missão e de serena confiança no momento da partida para a Casa do Pai. Acolhamos esta preciosa herança e retomemos o caminho, animados pela mesma esperança que vem da fé.
«É o Ressuscitado, presente no meio de nós, que protege e guia a Igreja e que continua a reavivá-la na esperança, através do amor derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Cabe a cada um de nós tornarmo-nos ouvintes dóceis da sua voz e ministros fiéis dos seus desígnios de salvação, recordando que Deus gosta de se comunicar, mais do que no estrondo do trovão e do terremoto, no “murmúrio de uma brisa suave” ou, como alguns traduzem, numa leve voz de silêncio. Este é o encontro importante, a que não se pode faltar, e para o qual devemos educar e acompanhar todo o santo Povo de Deus que nos está confiado.
«(…) A este respeito, gostaria que hoje renovássemos juntos a nossa plena adesão a este caminho, que a Igreja universal percorre há décadas na esteira do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco recordou e atualizou magistralmente os seus conteúdos na Exortação Apostólica Evangelii gaudium.
«Justamente por me sentir chamado a seguir nessa linha, pensei em adotar o nome de Leão XIV. Na verdade, são várias as razões, mas a principal é porque o Papa Leão XIII, com a histórica Encíclica Rerum novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial e, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho[3]».
3. Como escreveu Guimarães Rosa, para trás, não há paz. Foram de Paz as primeiras palavras do Cardial eleito, quando apareceu na varanda, perante a grande multidão que o esperava. Hoje, dia 18 de Maio, na Praça São Pedro, Leão XIV celebra a missa de início do seu Pontificado, no qual estamos todos implicados.
Fr. Bento Domingues in Público, 18/5/2025
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).