6 de Abril – 5º Domingo da Quaresma - Ano C
As leituras de hoje pedem-nos que olhemos para a frente, não para trás, que aceitemos ser lançados no futuro e abandonando o passado. E de que forma o fazem?
Primeiramente, o profeta Isaías afiança-nos que Deus não operou maravilhas apenas nos tempos de outrora, mas está atento à situação presente do povo e voltará a libertá-lo das muitas opressões em que sucessivamente vai caindo e nas quais vai sofrendo. Então, não há que ser pessimista e olhar apenas para o que está mal. O realismo pode e deve desembocar na esperança. E não é isso o que justamente ensina a páscoa/ressurreição?
S.Paulo, na carta aos Filipenses, recorda a sua vida passada… mas, de consciência tranquila, olha mais para o futuro e para o encontro definitivo com Deus. Nós, cristãos, não podemos iludir a morte – assim como qualquer pessoa. Quando vivemos com gosto e com sentido, custa pensar na morte… Mas Deus promete a ressurreição, a vida eterna.
No trecho do evangelho (Jo.8), a propósito do caso da mulher adúltera, certamente que podemos e devemos falar da misericórdia de Jesus (que perdoa e salva, que não condena) e de como Ele sempre pôs as pessoas à frente das leis ou costumes culturais. Mas temos também a temática das duas primeiras leituras: Jesus pede à mulher que deixe o seu passado de pecado e pede aos homens que a perseguiam que deixem também os seus instintos justiceiros e se convertam. Jesus, afinal, abre novos horizontes de vida, de vida futura verdadeiramente nova, tanto à mulher como aos que implacavelmente a condenavam.
PEREGRINOS DA ESPERANÇA
Verificou-se, por outro lado, que antes de ser internado, não só já tinha inaugurado o Ano Jubilar, em Roma, como tinha sido intensificado em todas as dioceses católicas do mundo, de modo verdadeiramente inculturado. As expressões serão necessariamente diferentes, mas todas unidas como o exprime o Logotipo, para indicar a solidariedade e a fraternidade que deve unir todos os povos.
Ao celebrar o Ano Jubilar, confessamos que precisamos de mudar, precisamos de nos converter. Não podemos continuar agarrados às nossas rotinas sociais, económicas e religiosas. Os clássicos gestos que propõe – jejum, esmola e oração – só são verdadeiros se nos fizerem olhar para aqueles que não têm como sustentar a vida. A oração autêntica dá a capacidade de ver, interpretar e agir com misericórdia em tudo o que se passa no mundo. É uma forma de socorro.
O que o profeta Isaías ouviu da parte de Deus reza assim: O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, romper com toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente e a glória do Senhor seguir-te-á[1].
Este foi o apelo que suscitou o Jubileu do Antigo Testamento até aos nossos dias.
A oração é a alma de todo este movimento de peregrinos, mas também ela precisa de ser evangelizada. S. Mateus luta contra a hipocrisia que se infiltra nos próprios actos religiosos: Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes[2].
S. Lucas, como bom narrador, construiu uma longa parábola sobre a insistência no pedido, que não posso reproduzir aqui na íntegra. Parece contrariar S. Mateus, mas de facto não, pois termina assim: se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem![3].
A oração não é uma técnica para informar e convencer a Deus, mas para nós acreditarmos que Deus está sempre connosco, somos nós que nos temos de abrir a esse amor.
S. Paulo já tinha escrito que é de acordo com Deus que o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois nem sequer sabemos o que havemos de pedir, mas é Ele que intercede por nós. Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus e podemos dizer, com toda a ternura, Abbá (papá)[4].
Na Bula de proclamação deste Ano Jubilar, o Papa retoma S. Paulo: A esperança não engana[5], ajuda-nos a resistir à loucura bélica dos nossos dias. É ela que faz de nós peregrinos da esperança. Se Deus é por nós quem será contra nós? Ao dizer isto, estamos em pleno mistério: o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração humano não pressentiu, foi isso que Deus preparou para aqueles que o amam, por meio do Espírito, pois o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus[6].
2. O Papa Francisco, apesar das dificuldades de saúde, convocou uma Assembleia eclesial de toda a Igreja Católica no Vaticano, a realizar em Outubro de 2028, para avaliar o estado da concretização da sinodalidade nas igrejas locais e em todas as comunidades religiosas.
Quando se pergunta se a Igreja ainda tem futuro, devemos reler a decisão pontifícia que já foi comunicada a todos os bispos e presidentes de conferências episcopais nacionais e internacionais, num comunicado assinado pelo cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos.
Esta decisão significa que, pela primeira vez na história, será realizada uma Assembleia deste género, congregando representantes de todo o mundo, e de todos os sectores eclesiais do catolicismo – clero, consagrados/as e leigos/as.
O comunicado da Secretaria Geral do Sínodo informa que, por ora, não há a intenção de convocar um novo sínodo dos bispos, optando-se, em vez disso, por um pormenorizado processo de consolidação do caminho já percorrido, em torno da construção de uma Igreja sinodal.
A mobilização de toda a Igreja inicia-se com a presente convocatória e desenvolve-se através das seguintes etapas: em Maio 2025 será publicado o Documento de apoio, com orientações para esta fase de implementação; de Junho 2025 até Dezembro 2026 serão apresentados os percursos de implementação nas Igrejas locais e nos seus agrupamentos; de 24 a 26 de Outubro 2025, acontecerá o Jubileu das equipas sinodais e dos órgãos de participação; no primeiro semestre de 2027 realizar-se-ão assembleias de avaliação nas dioceses e eparquias (equivalente das dioceses nas Igrejas orientais); no segundo semestre 2027, serão as Assembleias de avaliação nas conferências episcopais nacionais e internacionais, nas estruturas hierárquicas orientais e em outros agrupamentos de Igrejas; no primeiro semestre 2028, realizar-se-ão as assembleias continentais de avaliação; em Junho 2028, será publicado o Instrumentum laboris para o trabalho da Assembleia Eclesial de Outubro de 2028, no Vaticano.
Alegra-me saber que o Sínodo não foi abandonado ou amortecido. Continua a ser a grande tarefa da Igreja, seja qual for o Bispo de Roma.
3. Segundo o documento apresentado, o caminho a percorrer até à Assembleia Eclesial de 2028 permitirá o intercâmbio de experiências e percursos entre as diferentes Igrejas e a avaliação conjunta das escolhas feitas ao nível local, reconhecendo os progressos realizados em termos de sinodalidade.
O objetivo é tornar concreta a perspectiva do intercâmbio de dons entre as Igrejas e em toda a Igreja. Ao longo do caminho, todos poderão beneficiar da riqueza e da criatividade dos percursos realizados pelas Igrejas locais, colhendo os frutos nos seus agrupamentos territoriais.
Esse percurso será também uma oportunidade para avaliar, conjuntamente, as escolhas feitas a nível local e reconhecer os progressos realizados em termos de sinodalidade. Graças a tal percurso, o Papa poderá escutar e confirmar as orientações consideradas válidas para toda a Igreja em diálogo.
Por fim, esse processo constitui o quadro no qual se situam as diversas iniciativas para a realização das orientações sinodais, em particular os resultados do trabalho dos Grupos de Estudo, que deverão ser apresentados daqui a três meses[7].
A Igreja nunca se pode dar por terminada. Como peregrina da esperança, exige uma incansável imaginação.
Fr. Bento Domingues in Público, 23/3/2025
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).