27 de Abril – 2º Domingo da Páscoa - Ano C
Se Jesus anunciara a Boa Nova com maravilhosas palavras mas também com obras poderosas, agora também os apóstolos e primeiros cristãos fazem o mesmo: falam abertamente de Jesus e da sua mensagem e curam numerosos doentes. Este paralelismo entre a praxis de Jesus e a dos seus discípulos é até um dos grandes objectivos da obra literária de S.Lucas, nos escritos do 3º evangelho e do livro dos Actos dos Apóstolos.
O Apocalipse, através de uma linguagem metafórica e belíssima, afirma claramente que Jesus morreu e ressuscitou, esteve morto mas agora está vivo. Por isso Ele é o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim, o Alfa e o Omega, Ele esteve presente na Criação e Ele nos receberá, junto Pai, na vida eterna.
O famoso episódio de Tomé (e da sua aparente falta de fé, da sua necessidade de ver para crer, etc) é essencialmente uma catequese eucarística, como muito bem o recordou J.Paulo II no nº 20 da sua Carta Apostólica «O dia do Senhor» (do ano 1999). Foi no domingo (primeiro dia da semana) que os discípulos reconheceram o ressuscitado, foi no domingo seguinte que estavam reunidos (já com Tomé presente), foi no domingo que aconteceu Pentecostes… ou seja, é no DOMINGO, Dia do Senhor, que os cristãos se reúnem (e fazem-no desde há dois mil anos) e fazem a experiência de Jesus vivo que os alimenta na eucaristia. E se alguém começa a «faltar à missa», se alguém começa a desligar-se da comunidade cristã (é o que representa Tomé), começa a deixar de acreditar, começa a perder a fé.
A PÁSCOA. QUE PÁSCOA?
O termo páscoa é a transcrição grega e latina do original hebraico pesah e do aramaico pasha’ que remetem para o verbo pasah, que significa passar, saltar.
A celebração da festa da Páscoa está no cerne da experiência bíblica do Antigo Testamento (AT), porque constitui o memorial do acontecimento fundador da história do chamado povo de Deus – o êxodo e a aliança – e da auto comunicação do nome do próprio Deus – IAVÉ – como sinal tangível da sua presença no meio do povo.
A celebração do rito pascal, tal como nos transmite o livro do Êxodo[2], reúne dois ritos procedentes, com toda a probabilidade, de épocas distintas: o rito da imolação do cordeiro primogénito, que constituía uma festa dos pastores, que na primavera aspergiam com o sangue de um cordeiro as vigas das suas tendas, para proteger os homens e os animais dos espíritos maus. E o rito dos pães ázimos, rito agrícola da primavera, em que os camponeses ofereciam os primeiros frutos das suas colheitas. Estes dois ritos ficam unificados e situados no contexto do êxodo do Egipto e do estabelecimento da aliança com IAVÉ.
Desta maneira, o antigo rito nómada do sangue do cordeiro converte-se no sinal e no rito memorial da passagem do Senhor e da passagem do povo para a liberdade. Com efeito, a série de prescrições que são dadas no livro do Êxodo é concluída com a solene declaração: É a páscoa do Senhor (…). Este dia será para vós um memorial. Vós o celebrareis como festa do Senhor, de geração em geração o celebrareis como rito perene.
A celebração cristã da Páscoa tem raízes judaicas, raízes bíblicas, mas é um acontecimento radicalmente cristão de superação do judaísmo, com três momentos significativos, o Tríduo Pascal: a chamada Última Ceia, a Cruz, Vigília Pascal e Domingo da Ressurreição. O universalismo cristão nasce da Páscoa, procura fazer de todos os povos um só povo[3]. Jesus veio para congregar todos os filhos de Deus dispersos[4].
2. A chamada Última Ceia de Jesus[5] com os discípulos era uma ceia nascida no meio judaico. No entanto, os textos apresentam-na, não como uma festa familiar judaica, mas como uma despedida de Jesus com os seus 12 discípulos.
Por isso, é vulgar dizer que, na última ceia, só estavam homens. Conhecendo, porém, o costume dessa época, (não contar mulheres e crianças: Mt 14,21; 15, 38) e a natureza da própria Ceia Pascal (uma ceia ritual, mas familiar, onde todos estão presentes (Ex 12, 1-14), não se poderá, facilmente, “garantir” que estavam só os homens, quando a família de Jesus era constituída por todos e por todas que O seguiam desde a Galileia. Não contar mulheres e crianças não significa que elas não estivessem na última ceia.
Há uma cena espantosa nos Evangelhos sobre as relações familiares. Estando Jesus em missão, chegaram a sua mãe e os seus irmãos e, ficando lado de fora, mandaram-no chamar. Jesus responde com uma interrogação: Quem é minha mãe e meus irmãos? E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à sua volta, disse: Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe[6]. Isto significa que a sua família biológica tem de se converter ao discipulado de Jesus. O que conta no Novo Testamento não é a condição biológica, mas a opção pelo caminho aberto por Jesus.
As narrativas da crucifixão mostram que os discípulos não tiveram atitude de discípulos, fugiram. Quem ficou? Perto da cruz de Jesus[7], permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas e Maria Madalena. Não há nenhum homem nessa lista, nem sequer a designação de discípulo amado. Continuando, Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis a tua mãe! E a partir dessa hora, o discípulo recebeu-a na sua casa.
Entre as várias narrativas da Ressurreição, opto por um fragmento do Evangelho de S. João[8]. A originalidade da narrativa deste Evangelho é o facto de ter sido o próprio Jesus Ressuscitado que constituiu Maria Madalena a evangelizadora dos que deveriam ser os evangelizadores. É ela a Apóstola dos apóstolos. Esta expressão recebemo-la de Hipólito, bispo de Roma (século III) e Santo Agostinho (século V), nada complacente com as mulheres, dirá que «os apóstolos, futuros evangelistas, receberam das mulheres o anúncio do Evangelho». Nada mais conforme com os textos sobre a ressurreição: Vai e diz aos meus irmãos… Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Vi o Senhor” e as coisas que ele lhe disse.
A confusão em que ela vive é vencida pelo próprio Jesus que a envia a congregar os discípulos dispersos que agiram como quem não tem esperança perante a morte.
Este acontecimento central, que devia afirmar o papel primordial das mulheres na Igreja, foi incompreensivelmente esquecido[9].
3. Em todos os lugares, seja de que país for, a tarefa desta Páscoa não deveria ser só celebrar os ritos, mas alterar o rumo das sociedades, a situação das vítimas da guerra, da fome, da falta de uma ecologia integral.
A questão que se nos devia impor é esta: este mundo não poderá ser de outra maneira? A própria noção de criação é a de colocar o mundo sob a nossa responsabilidade.
Não se pode perder de vista que só nos salvamos através da salvação dos outros, através da convivialidade, através de tudo o que faz do ser humano o companheiro do outro, o irmão do outro, porque a expressão máxima do diálogo com Deus é sempre estender a mão a quem precisa[10].
O Crucificado, o rejeitado por uma coligação de interesses, abriu, a todos, o caminho e o processo da ressurreição. Jesus, ao perdoar aos próprios inimigos, ao entregar nas mãos do Deus vivo aqueles que o entregavam à morte, consumou a sua insurreição contra tudo o que degrada e separa os seres humanos, isto é, o poder do ódio, o poder da morte. A partir daquele momento Jesus Cristo era, é e será para sempre uma vida dada.
Que a celebração da Ressurreição de Cristo nos ajude a procurar os bons caminhos para vencer as raízes dos ódios que ensanguentam a terra.
A todos uma santa Páscoa!
Fr. Bento Domingues in Público, 20/4/2025
Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).