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Família Dominicana

Comentário às Leituras Dominicais (Mar. 2024) por fr. José Nunes, op

Comentário às Leituras Dominicais (Mar. 2024)      por fr. José Nunes, op - ISTA - Instituto S. Tomás de Aquino

 
24 de Março – Domingo de Ramos e da Paixão - Ano B

 

Com este domingo damos início à Semana Santa, a semana maior do ano litúrgico cristão. Nela acompanharemos mais de perto e meditaremos no imenso mistério da morte e ressurreição de Jesus. 

A entrada de Jesus em Jerusalém é acompanhada de muito entusiasmo, alegria e festa por parte de muitos. Isso contrasta com a traição e tristeza que ocorrerão naquela mesma cidade passados poucos dias. E perguntamos: porquê e como é possível fazer tanto mal a quem só fez tanto bem?

Mas centremo-nos em Jesus, que levou a sua vida de entrega, serviço e amor libertador até às últimas consequências, até à Paixão. Jesus viveu toda uma vida descentrado para os outros, sem poder e sem violência, tendo como única arma o amor. Mesmo assim foi perseguido. Apesar de não buscar glórias terrenas, de se fazer e ser ‘pequeno’, ainda o quiseram anular. Por amor, aceita tudo isso. Aceita até morrer, quando o cerco e a perseguição apertam mais. Mas mesmo aí, aceita morrer na pequenez, na fraqueza, sem armas na mão. Resiste a morrer como um herói: na sua morte está completamente abandonado e sem qualquer apoio. Todos o olham como um coitado, um desgraçado, um maldito. É horrível: praticamente ninguém manifesta compreensão ou reconhecimento para com um justo, agora objecto de desprezo, de maldade, de injustiça. Ridicularizado, até, Jesus cala-se e aceita. Fraqueza e vulnerabilidade totais. Só amor. Amor que vai vencer ainda a última tentação: a do orgulho, a do orgulhosamente só mas com desejo de vingança, de ‘révanche’ – normal em quem sente que está a ser vítima de tremenda mentira e injustiça. Jesus acaba por morrer amando, perdoando a quem o mata, a quem o despreza, a todos. No dizer de São Paulo, é a fraqueza total e a loucura da cruz. Loucura incompreensível à razão humana, ao senso comum, ao sentido da justiça. Mas é o cúmulo do amor. Amor e paixão totais por cada homem e mulher da terra, por toda a humanidade de todos os tempos e lugares.

18/03/2024 observações (0)

Artigo do fr. Bento Domingues, op

Artigo do fr. Bento Domingues, op - ISTA - Instituto S. Tomás de Aquino


A PÁSCOA, O GRANDE DESEJO

  
1. Na celebração cristã deste Domingo, é proposto um enigmático texto do Evangelho, com muitos paralelos no Novo Testamento (NT)[1]: «Entre os que tinham subido a Jerusalém à Festa para a adoração, havia alguns gregos. Estes foram ter com Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e pediam-lhe: Senhor, nós queremos ver Jesus! Filipe foi dizer isto a André; André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. Jesus respondeu-lhes: Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo, se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida em abundância.

Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo. Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de Eu dizer? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente para esta hora é que Eu vim! Pai, manifesta a tua glória! Veio, então, uma voz do Céu: Já a manifestei e voltarei a manifestá-la!

Entre as pessoas presentes, que escutaram, uns diziam que tinha sido um trovão; outros diziam: Foi um Anjo que lhe falou! Jesus respondeu: Esta voz não veio por causa de mim, mas por amor de vós. Agora é o julgamento deste mundo; agora é que o dominador deste mundo vai ser lançado fora. E Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim. Dizia isto dando a entender de que espécie de morte havia de morrer»[2].

Como é normal para os cristãos, nesta quadra do ano, tudo se passa entre o sentido da vida e o sentido da morte, assumindo a vida e a morte, a dor e a alegria que tecem os nossos dias. Não é para morrer nem para sofrer que viemos ao mundo. O sentido do cristianismo não é a cruz, mas a Ressurreição, a plenitude da vida.

Uma celebração cristã da Eucaristia parece uma montagem de textos. Não nos enganemos. Não são eles que nos salvam. O que nos salva é o acolhimento da graça da nossa transformação e das nossas relações humanas.

São, no entanto, os textos que nos acordam, nos dizem, nos provocam, para o que é preciso fazer neste mundo. Revestem, por isso, um carácter comunitário. Não são apenas para nosso proveito, mas para colocar a nossa vida ao serviço dos outros. Uma celebração eucarística situa-nos na vida de todos e para proveito de todos, o que exige a morte do nosso egoísmo. É na medida em que enterrarmos esse egoísmo que floresce a vida para todos.

2. Não podemos identificar uma celebração da fé cristã com uma exaltação do sofrimento, da dor e da morte. Não é o que faz sofrer que nos salva. O elogio do sofrimento não é necessariamente cristão. Supor que Deus gosta do sofrimento é um insulto ao Deus da vida. O cristianismo, neste mundo – ao contrário das aparências –, é para descrucificar as pessoas, não para as torturar.

É impressionante o número de textos do NT, de estilos muito diferentes, para dizer que a nossa vida só tem sentido como dom, como partilha, tornando-nos cada vez mais competentes para aliviar o sofrimento que atormenta pessoas e multidões.

Passamos pela vida a correr para não nos confrontarmos com as suas interrogações. A função do Domingo é a de nos fazer parar: que ando eu a fazer da minha vida? É bom saber o que nos salva e o que nos perde: gastar a vida de forma que dê mais vida ou gastar a vida para dar cabo da vida dos outros.

O filósofo checo, Tomáš Halík, ordenado sacerdote na clandestinidade, em 1979, tornou-se conhecido pelo seu empenho num diálogo construtivo com não-crentes e crentes de outras tradições religiosas e por uma vasta bibliografia[3].

Chamou a atenção que, na fé cristã, é impossível desligar a realidade de Deus da realidade humana e a realidade humana da realidade de Deus. «A fé cristã consiste em estabelecer uma relação constante entre o Evangelho e a nossa vida; consiste na coragem de entrar nesta história. Trata-se de tentar redescobrir, de forma sempre nova e mais profunda, o sentido das narrativas bíblicas, com base nas próprias experiências pessoais e comunitárias, deixar actuar as possantes e fortes imagens do Evangelho para que elas, gradualmente, iluminem, interpretem e transformem o fluxo da nossa vida»[4].

3. O texto-acontecimento escolhido para este Domingo é uma interrogação radical que a prática cristã não pode nem quer evitar, hoje. A alma de todas as expressões desta vida religiosa está no desejo de querer ver Jesus. Isto significa que o conhecimento de Jesus tem de ser um conhecimento de experiência feito, o conhecimento do amor.

O cristianismo transformar-se-ia em algo abstracto – num estudo, por exemplo – sem o desejo, a vontade, o esforço de um encontro pessoal e comunitário com Jesus. O desejo vai além da realidade aparente: «Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver, porque Ele devia passar por ali. Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa. Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria[5].

Todo o NT está dependente da visão do Ressuscitado e são bem-aventurados os que acreditam sem ver porque a fé é a mais profunda das visões[6].

Quem, em termos de desejo, escreveu os poemas cristãos mais sugestivos foi José Augusto Mourão, O.P. (1947-2011): não se extinga o desejo que nos faz viver, / Deus do nosso desejo;// alimenta em nós o fogo das paixões / que nos leva a agir / e o fogo da palavra que por dentro queime / e faça escuta;// tu que és o guardião do nosso desejo, / aviva a chaga que o nosso imaginário / constantemente quer sem falha; / que vivamos o nosso desejo sem culpabilidade;// circuncize-nos o coração a espada do amor, / pregão antigo e novo / em nosso corpo adormecido e acordado[7].

Sem o desejo, a alma morre, ficamos sem a linguagem da esperança, sem a linguagem da Páscoa.

 

Fr. Bento Domingues in Público, 17/3/2024

_____________
[1] Mt 16, 24-26; Mc 8, 14-37; Lc 9, 23-25
[2] Jo 12, 20-33
[3] A Paulinas Editora publicou vários dos seus livros, entre eles, Paciência com Deus e A noite do confessor.
[4] Cf. Tomáš Halík, O meu Deus é um Deus ferido, Paulinas Editora
[5] O caso de Zaqueu: Lc 19, 1-10
[6] Madalena diz: Vi o Senhor, Jo 20,18; os discípulos exultaram por verem o Senhor, Jo 20, 20.25. 29
[7] do desejo, in dizer Deus ao (des)abrigo do Nome, Difusora Bíblica, 1991, p. 35
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